segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

PRÓLOGO

É possível sonhar dentro de um sonho? Ou antes: é possível ter um pesadelo dentro de outro? Minha vida se transformou subitamente num ambiente irreal, inacreditável. Não sei ao certo se estou mesmo acordado, e por isso mesmo farei deste diário a evidência material do que se passa comigo nestes tempos. Não sei onde começa minha memória dos fatos e onde termina minha imaginação. Sei que antes de completar meus doze anos, sempre imaginei, como todos os de meu povo, como seria correr pelas terras, outrora livres, que foram assoladas pela terrível presença dos horrores. Gerações se passaram sem que ninguém mais se lembrasse claramente qual a sensação de confrontar a luz do Sol, de correr pelos campos com o vento ou a chuva batendo no seu rosto. E agora, embarquei, como que por encanto, numa aventura com desconhecidos que, ao que tudo indica, são bem intencionados. Assim espero.

A última lembrança que tenho, antes de despertar, é a de conversar com meu pai acerca do futuro de nossa gente. Ele fazia incursões na superfície, para elem das proteções de nosso kaern. Ele tentou me explicar umas mil vezes o procedimento mágico que permitia verificar o ambiente externo... enfim, numa fui o filho mais aplicado. Lembro de seu rosto de expressão grave. Naquela época, meu pai já nem sorria. Notei que a preocupação de seu olhar dava a ele um tom melancólico que ele fazia de tudo pra esconder. Dizia-me que sinais de fraqueza poderiam fazer até mesmo seus aliados se virarem contra você. Na véspera de completar doze anos, os anciãos de meu povo completaram as tatuagens em meu corpo. Segundo meu pai, este seria o seu mais valioso presente para mim, mas que eu só poderia abri-lo quando tivesse experiência suficiente. Segundo minha mãe, eu levaria comigo segredos mágicos valiosos demais para serem esquecidos. Segundo meu irmão mais velho, “para o Aang?!?! Como assim?!?!? EU SOU o primeiro na linha sucessória!!!” Para minha irmã mais nova, “ô tatuagem feia do caralho!!!” – enfim, eu não era o mais brilhante, mas também não era dos piores!

No grande dia, um banquete foi realizado. Pude ouvir o som da minha festa, as luzes, o aroma do banquete. Doze anos: era esperado que eu me tornasse, enfim, um homem. Meu pai, sem dizer palavra, no entanto, me conduziu para uma área isolada de nosso lar. Um salão amplo, onde os anciãos se reuniam para conversar sobre sabe-se lá o quê. Tive medo, e apertei a mão de meu pai com força. Ia começar a chorar quando meu pai me deu uma bofetada e disse: filho, em nosso tempo, cada lágrima é um desperdício imperdoável de força! Fui conduzido para o centro do aposento, onde haviam inscrições no chão, parecidos com minhas enigmáticas tatuagens, e um pentagrama, e em suas pontas, runas que representavam os cinco elementos. Súbito, meu pai deu as costas – nunca mais vi seu olhar – e disse: há força em seu sangue, meu filho, e com ele, ainda há de reescrever a história de seu povo. Cânticos foram entoados pelos anciãos... Comecei a tremer de frio e medo... As luzes me abandonavam... Acho que adormeci. E agora, não sei ao certo se estou acordado ou não.

Um comentário:

  1. Será que sua família também não está presa dentro de algum daqueles blocos de gelo?

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